Tomada de decisão: você é bom nisso?

por Kayo Ridolfi Carvalho

Você acredita que toma boas decisões? Conheça alguns efeitos que demonstram como temos uma capacidade limitada para tomar boas decisões em diversas circunstâncias.

 Vamos começar com duas perguntas.

  • A porcentagem de nações africanas entre membros da ONU é maior ou menor do que 65?
  • Qual sua melhor estimativa sobre a porcentagem de nações africanas na ONU?

Provavelmente, para a primeira pergunta você respondeu que a porcentagem é menor que 65 e para a segunda pergunta sua resposta variou entre 40 e 65. Este é o efeito de ancoragem, descrito por Amos Tversky e Daniel Kahneman em seus estudos iniciais sobre julgamentos diante de incertezas.

Os pesquisadores manipularam uma “roda da fortuna”, que ao ser girada parava sempre em 10 ou 65. O efeito que eles observaram foi que o número que saia na roda, que não tinha nada a ver com a questão do número de nações africanas membros da ONU, servia como base para a resposta dos participantes. Os participantes que tiravam o número 10 variavam suas estimativas em média como 25%, enquanto os que tiravam 65, variavam em média como 45%.

Em boa parte de suas pesquisas, Kahneman e Tversky, buscaram entender melhor como tomamos decisões e a partir disso descreveram diversos efeitos, baseado em nosso funcionamento cognitivo, que influenciam e nos tornam ruins em atividades de estimativa, principalmente estimativas estatísticas. E mais, em alguns estudos, mostraram ainda que até mesmo pesquisadores, ligados à área da estatística apresentam as mesmas dificuldades.

Image courtesy of Stuart Miles at FreeDigitalPhotos.net
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Buscando entender mais sobre como esses processos se davam os dois pesquisadores não concordavam completamente. Tversky acreditava que o efeito de ancoragem se dava por meio de um ajuste ineficiente que fazemos diante de um problema de julgamento sobre incertezas, enquanto Kahneman defendia que o efeito acontecia por meio da sugestão, ou como foi chamado mais tarde em um conceito mais amplo, por meio do priming que nada mais é do que uma pré ativação que nos inclina a tomar uma decisão direcionada.

Pesquisas posteriores mostraram que os dois estavam certos. O efeito de ancoragem se aplica em vários casos e pode acontecer das duas maneiras descritas.

Mas vamos conhecer mais um estudo, dos psicólogos alemães Thomas Mussweiler e Fritz Strack. Os pesquisadores perguntavam sobre a temperatura média anual na Alemanha. Para um grupo, ancoravam em 20 e para outro em 5. Após esta primeira pergunta, apresentavam grupos de palavras aos participantes e então pediam que as identificassem. Descobriram que, para o grupo o qual foi apresentada a âncora de 20, era mais fácil reconhecer palavras como calor, verão e praia por exemplo. E para o grupo o qual se apresentou a âncora de 5, era mais fácil reconhecer palavras como geada e esqui. Isso mostrou mais uma vez como a pré ativação inclinou as respostas dos participantes, funcionando como uma âncora, que ativou ideias de memória coerentes com os números apresentados.

Estes estudos mostram como somos passíveis de influência quando temos uma decisão a tomar diante de incertezas. E isso é muito importante também quando nos vemos como consumidores. Conhecendo estes processos, podemos nos proteger, e em algumas situações tomar melhores decisões. Os marqueteiros conhecem muito
bem estes processos e utilizam isso para aumentar vendas e explorar o modo como tomamos decisões ruins.

Um último exemplo para refletir. Em um supermercado na cidade de Sioux City, Iowa, havia uma promoção de 10% para a sopa Campbell’s. Em alguns dias havia uma placa limitando o número de produtos que um cliente poderia levar por compra em 12 unidades. Em outro período a placa dizia que não havia limite por cliente. O resultado? Quando a compra era limitada os clientes compraram em média 7 unidades do produto, aproximadamente o dobro do que compravam quando não havia limitação.

Aqui descobrimos que tomamos decisões ruins, mas também que é importante ficar atento para identificar o que pode estar nos influenciando num momento de dúvida, como na compra de um produto.

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Para saber mais (artigos base, em inglês):

 Amos Tversky e Daniel Kahneman, “Belief in the Law of Small Numbers” , Psychological Bulletin 76 (1971): 105-10

Amos Tversky; Daniel Kahneman, “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”, Science, New Series, Vol. 185, No. 4157. (Sep. 27, 1974), pp. 1124-1131.

Brian Wansinck, Robert J. Kent e Stephen J. Hoch, “An Anchoring and Adjustment Model of Purchase Quantity Decisions”, Journal of Marketing Research 35 (1998): 71-81

 

O cérebro bilíngue – Conectar-se é o que importa!

Por Elaine Torresi

Falar mais de uma língua além de aumentar nossas oportunidades no mercado de trabalho, facilitar nosso acesso à informação e abrir nossos horizontes culturais e interpessoais, parece trazer também benefícios cognitivos. Mas o que é cognição? A cognição é um conjunto de processos mentais que envolvem a memória, a atenção, o pensamento, a linguagem, a imaginação, etc..

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Dentro dessa gama de aspectos, vários estudos vem destacando os efeitos do bilinguismo sobre a capacidade de controlar distrações durante a  execução de determinada tarefa, manejar diferentes atividades ao mesmo tempo e  adaptar-se mais rapidamente a novas situações, tendo apontado certa vantagem dos bilíngues em relação aos monolíngues. Além disso, pesquisadores observaram que esses efeitos formam uma espécie de “reserva cognitiva” em idosos bilíngues, que tem preservadas por mais tempo suas funções mentais, apresentando inclusive, um atraso de 4 a 5 anos no estabelecimento de demências e Alzheimer em relação aos monolíngues de mesma idade.

Mas o que acontece com o cérebro para que esses efeitos apareçam? Luk e colegas (2011)¹ foram os primeiros a relacionar esses achados comportamentais com o aumento do volume e integridade da matéria branca (constituinte das fibras que levam informações de uma região à outra no cérebro). Outras pesquisas confirmaram esses achados e foram ainda mais fundo mostrando que a exposição à uma segunda língua, através de um curso intensivo por um período curto de tempo (4 meses) também provocava aumento na matéria branca; no entanto, esse aumento não era mantido 1 ano após a interrupção do curso.²

Até muito recentemente, a grande  maioria dos estudos que relacionam bilinguismo e matéria branca utilizavam indivíduos idosos que aprenderam a segunda língua (L2) antes dos 10 anos e que vinham praticando as duas línguas ao longo da vida; assim, não era possível saber se esse aumento de conectividade devia-se ao aprendizado ter acontecido na infância ou ao fato de simplesmente de estarem praticando duas línguas.

Image courtesy of digitalart at FreeDigitalPhotos.net
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Para responder a essa questão, pesquisadores³ do Reino Unido analisaram imagens feitas com um aparelho de ressonância magnética (MRI) em adultos que aprenderam a L2 tardiamente (depois dos 10 anos de idade) e que usavam ambas as línguas diariamente, ficando atentos para que elas não estivessem fazendo nenhum tipo de treinamento linguístico na época do teste. Eles descobriram que os bilíngues, mesmo tendo aprendido a L2 tardiamente, apresentavam maior densidade de matéria branca em áreas relacionadas à linguagem, ao controle cognitivo e à interligação entre os dois lados do cérebro.

Os cientistas mostraram assim que a preservação das fibras condutoras está fortemente relacionada ao uso constante das duas línguas e não necessariamente à época de aquisição da L2.

Esses resultados reforçam a ideia de que nunca é tarde para aprender uma segunda língua e continuar praticando-a de modo a colher os benefícios biológicos, cognitivos e sociais que essa experiência pode nos trazer. Por outro lado, impõem uma grande interrogação: “Será que o brasileiro que aprende uma segunda língua, e que a utiliza por toda a vida de forma esporádica se beneficia biológica e cognitivamente disso? Fiquemos atentos a novos estudos que possam nos responder essa questão.

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Para saber mais (artigos científicos em inglês):

  1. Luk G, Bialystok E, Craik FIM, Grady CL (2011) Lifelong bilingualism maintains white matter integrity in older adults. J Neurosci 31(46):16808–16813. 
  2. Hosoda C, Tanaka K, Nariai T, Honda M, Hanakawa T (2013) Dynamic neural network reorganization associated with second language vocabulary acquisition: A multi- modal imaging study. J Neurosci 33(34):13663–13672.
  3.  Pliatsikasa C, Moschopoulouc E, Saddyb J (2015) The effects of bilingualism on the white matter structure of the brain. PNAS 12(5):1334-1337.