Por que o LSD causa alucinações?

Por Cristiane dos Santos Costa – Aluna de graduação do Bacharelado em Ciência e Tecnologia na UFABC

Todo mundo já ouviu falar do LSD. Quem já experimentou essa droga certamente possui relatos bem intrigantes sobre “viagens” que incluem visões bizarras e sensações únicas, como sinestesia (sentir o cheiro de sons, ou o gosto de cores, coisas desse tipo).  Há quem diga que a substância expande a consciência, aumenta a criatividade e leva a experiências surreais. Isso já deixa claro que o efeito do LSD ocorre no cérebro, mas por que e como ele causa alucinações?

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Afinal, o que é LSD e quais são seus efeitos?

Dietilamida do Ácido Lisérgico – LSD, também conhecido como ácido ou doce, é uma droga alucinógena sintetizada pela primeira vez em 1938, pelo químico suíço Albert Hofmann¹, a partir de um fungo do centeio chamado Claviceps purpurea². Foi desenvolvido originalmente como um estimulante respiratório e circulatório¹. Trata-se de um líquido transparente sem cheiro e sem sabor que pode ser absorvido pela pele e mucosas em apenas 30 minutos!¹,³ Costuma ser ingerido por meio de fitas de papel que contêm a droga e são colocadas debaixo da língua¹. Basta uma pequena dose de 25 microgramas da substância para experimentar seus efeitos durante um período de até 12 horas!³ Tais efeitos incluem1,3,4,6:

  • Pupilas dilatadas e aumento da temperatura corporal;
  • Taquicardia, aumento da pressão arterial e suor excessivo;
  • Alterações de pensamentos, emoções e percepções;
  • Alterações nos sentidos (como distorção visual do espaço);
  • Impressão de que o tempo passa mais lentamente;
  • Desconexão da consciência do “eu”;
  • Paranoia, confusão, medo sem motivo aparente;
  • Ansiedade e comportamento psicótico (em caso de doses altas).

Os primeiros itens da lista são efeitos físiológicos; já os intermediários costumam ocorrer durante a chamada “good trip” (viagem boa) e os últimos surgem durante uma “bad trip” (viagem ruim)¹. Tudo depende do ambiente onde a pessoa se encontra, de como está se sentindo no momento em que ingere a droga, e claro, da dose.

A ação do LSD no organismo está relacionada aos receptores de serotonina. Para entender como a mágica acontece, é necessário conhecer um pouco mais sobre o funcionamento do cérebro.

Neurônios, sinapses químicas, neurotransmissores e receptores

De maneira bem resumida, a coisa é mais ou menos assim: os neurônios são tipos de células que compõem o cérebro; as sinapses químicas são o principal meio de comunicação entre dois neurônios, sendo a fenda sináptica o pequeno espaço entre eles; neurotransmissores são substâncias químicas que um neurônio “envia” para o outro e receptores são proteínas presentes na membrana do neurônio às quais os neurotransmissores se ligam5. Essa comunicação acontece em apenas um sentido, de modo que existe sempre um neurônio pré-sináptico (que libera os neurotransmissores) e um outro neurônio pós-sináptico (que interage com os neurotransmissores).5

Esquema ilustrando uma sinapse química
Esquema ilustrando uma sinapse química

Para entender melhor como isso tudo funciona, imagine que os neurônios são cidades, a fenda sináptica é o rio que separa essas cidades, os neurotransmissores são pessoas que viajam da cidade A (neurônio pré-sináptico) até a cidade B (neurônio pós-sináptico) e que os receptores são funcionários do correio da cidade B que recebem as mensagens da cidade A. Então as pessoas saem de A, atravessam o rio até B e, chegando lá, entregam suas respectivas mensagens aos funcionários do correio. Assim ocorre a comunicação entre as duas cidades.

Para saber mais sobre esse assunto, recomendo a leitura da postagem O que é o neurônio?, disponível aqui no Neuroblog.

Agora sim: o LSD no cérebro

imagem2Cada neurotransmissor possui receptores específicos.5 A serotonina é um neurotransmissor que faz, por exemplo, a gente se sentir feliz, e um dos seus principais receptores é chamado receptor 2A1,4. Foi dito anteriormente que as moléculas do LSD se ligam aos receptores da serotonina, mas por que isso torna essa substância tão potente em seres humanos, a ponto de pequenas doses ocasionarem efeitos intensos?

Bem, não se sabe ao certo qual é o mecanismo de ação do LSD no cérebro¹,4,6. Mas não pense que você leu esse texto até aqui em vão. Pesquisadores do Reino Unido utilizaram imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para estudar a ação de alucinógenos em usuários e descobriam que as regiões do cérebro que restringem a consciência são “desligadas”, permitindo que os pensamentos fluam livremente.¹

David E. Nichols, PhD, explica durante sua palestra4 “Neurociência do LSD” que, ao ligar-se à serotonina, o receptor 2A muda de forma devido a interações químicas entre a molécula de serotonina e a proteína que compõe o receptor. Por outro lado, quando a molécula de LSD se liga a esse mesmo receptor, ele também muda, mas passa a ter um formato diferente de quando se liga à serotonina. Nichols também diz que os receptores 2A estão presentes de maneira muito expressiva em todas as estruturas do cérebro envolvidas no processamento dos sentidos, percepção e consciência – por isso eles são tão importantes para os efeitos de drogas psicodélicas.

Portanto, é de se esperar que o LSD seja uma droga alucinógena, já que possui grande afinidade com receptores presentes em áreas responsáveis pela integração dos sentidos, de modo que a percepção de quem ingere a droga é profundamente alterada.

LSD faz mal?

Pode causar intoxicação se ingerida em grandes quantidades, porém acredita-se que não cause dependência4 e relatos de abstinência são muito incertos³, provavelmente por tratar-se de uma droga recreacional. É possível que o usuário de LSD torne seu uso frequente por sentir que a realidade não tem a mesma graça sem a alteração de percepção que a substância causa.

Em linhas gerais, o LSD é uma droga imprevisível, pois seus efeitos variam a cada dose ingerida.6 Como já mencionado anteriormente, o contexto em que se utiliza esse composto pode resultar em uma “bad trip” e revelar-se uma experiência traumatizante.6 Além disso, sendo o LSD  uma droga ilícita, não há como saber o grau de impureza do produto e seu consumo oferece riscos à saúde.

Qual será o gosto dessas cores?
Qual será o gosto dessas cores?

Existem pesquisas na área de medicina e farmacologia para aplicação do LSD como tratamento para algumas enfermidades como depressão e dores de cabeça crônicas. 6

Ainda há muito para se aprender sobre os mecanismos de ação do LSD no cérebro e muitos pesquisadores estão interessados em investigá-los. Trata-se de uma área de estudo muito interessante e com potencial para aplicações importantes. No entanto, ainda há bastante debate sobre a possibilidade de uso desta substância no Brasil, tanto pela ilegalidade quanto pelo preconceito e tabu que permeia o tema.

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Referências

¹ OLSON, Samantha. This Is Your Brain On Drugs: The Truth About Where LSD Trips Take Your Mind And Body. MEDICAL DAILY. Drugs. Junho 2014. Disponível em: <http://www.medicaldaily.com/your-brain-drugs-truth-about-where-lsd-trips-take-your-mind-and-body-287852> Acesso em: 27/03/2016.

² LSD. Wikipedia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/LSD> Acesso em: 27/02/2016.

³ DIEHL, Alessandra; CORDEIRO, Daniel Cruz; LARANJEIRA, Ronaldo. Tratamentos farmacológicos para dependência química: Da evidência científica à prática clínica. Artmed, São Paulo 2010, pg 36-37.

4 INTERNATIONAL PSYCHEDELIC SCIENCE. II, 2013, Oakland, California. NICHOLS, D. E. LSD Neuroscience. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LbUGRcuA16E>  Acesso em: 27/03/2016.

5 PURVES, Dale et al. Neurociências. 4ª ed, Artmed.

6 NATIONAL GEOGRAPHIC CHANNEL. Inside LSD. Explorer. Canadá. 45min23s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3aZre1Lib0o> Acesso em: 27/03/2016.

Cinema: um laboratório de cognição humana natural

Por: Fernanda Bueno

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Se você está acostumado a ler artigos científicos sobre cognição humana deve se deparar muito com tarefas altamente controladas, pessoas sentadas e quase imóveis na frente de um computador ou dentro de uma máquina de ressonância magnética, realizando tarefas um tanto tediosas, como ouvir alguns sons ou apertar alguns botões. Elas são extremamente importantes para o entendimento de capacidades e funções cognitivas individuais, sem que haja, ou ao menos minimize, a influência de uma outras. No entanto muito se questiona sobre o quanto vale esses experimentos para a vida real.

Colagem por Fernanda Bueno (Imagens retiradas do Google)
Colagem por Fernanda Bueno (Imagens retiradas do Google)

Um caminho novo tenta aproximar os experimentos com a atividade humana real. Esse é o caminho do neurocinema, uma proposta de usar um estímulo “natural”, o filme, em experimentos sobre cognição e neurociência. É um estímulo natural no sentido de que um filme faz parte da nossa cultura, e por vezes representa uma visão do mundo por um olhar humano. Os mesmos cuidados de experimentos controlados são usados nesses estudos, porém o estímulo é mais próximo ao cotidiano. Exemplos são as pesquisas de Uri Hassan e colegas que, num artigo publicado na revista Projectíons em 2008, resumem alguns desses estudos e de como é possível analisar a sincronia da atividade cerebral entre indivíduos assistindo um mesmo filme. Os autores sugerem que essas descobertas podem ser usadas tanto para o estudo das funções cognitivas como também ajudar aos profissionais do cinema a melhorarem a incrível capacidade de prender a atenção

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dos espectadores. O cinema traz a possibilidades de estudar importantes faculdades cognitivas, como a memória de trabalho, a cronestesia (ou a viagem temporal mental) e viagem emocional mental. Para os supersticiosos, o número sete da sétima arte pode ter algum significado mágico. De fato, há algo além no cinema para estudos em neurociência, se comparada a outras artes. O cinema é capaz de criar um estado dissociativo transitório, como afirma o pesquisador Yadin Dudai numa publicação em 2012, pois envolve estímulos multimodais.

Memória e Cinema

A memória de trabalho é a ponte entre dois tipos de memória, a de curto e longo prazo. Se colocarmos em uma escala de tempo, a memória de curto prazo é aquela que se refere à percepção do agora e da retenção temporária de segundos a minutos de informações ambientais. O segundo tipo de memória está na escala de tempo de meses, anos ou até o fim da vida, isto é, aquilo que guardamos das nossas experiências e aprendizados, seja de forma explícita ou implícita. A memória de trabalho pode ser vista como a integração daquelas, sendo seu componente central executivo o responsável pela atenção, mediação e retenção de memórias para sistema de longo prazo, através do buffer episódico. A memória de trabalho contém outros dois componentes, a alça fonológica e o esboço visuoespacial. Imagine que você precise se lembrar de uma senha de quatro números. Você os repete em voz alta e depois continua repetindo internamente. Esse é o papel da alça fonológica, que guarda e atualiza informações auditivas. Agora você precisa decorar um caminho em um mapa e assim mantém na mente uma imagem e o desenho do caminho. Dessa forma estará usando o esboço visuoespacial.

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E como os filmes se encaixam nesse modelo? Filmes são primariamente e principalmente visuais. Nós somos seres visuais, prestamos atenção e confiamos na nossa visão. Os filmes também contam com um dos fatores que mais chamam nossa atenção, o movimento. Essas características intrínsecas do cinema envolvem nossa memória, principalmente o central executivo e o esboço visuoespacial. Os filmes também contam com sons, músicas e falas. Esses estímulos auditivos ativam a alça fonológica. Interessante que mesmo em filmes mudos, as áreas de linguagem ativadas na escuta de um discurso são também ativadas pela tentativa de decifrar o movimento labial das personagens. O buffer episódico trabalha conectando fatos e consolidando a memória de longo prazo. Se os eventos a serem conectados durarem longos períodos (horas ou dias) a consolidação da memória pode ser interferida por outras causas. O papel do diretor no cinema é selecionar alguns eventos para que estes prendam a atenção do espectador, ajudando a memória de trabalho a formar a história na mente.

A atenção ao filme é influenciada também pela desfamiliarização do espectador com o contexto. Em outras palavras, existem personagens e existe uma relação com a audiência, porém não há interações sociais explícitas entre elas, o que pode causar um maior engajamento do central executivo na atenção. A sugestão é que, se a atenção ao

 filme toma grande parte da função do central executivo, pode haver um estado mental dissociativo transitório leve (aquela sensação de que o mundo se torna diferente depois de sair de uma sessão de cinema ou passar horas assistindo séries). É claro que esses estados de devaneio são subjetivos, ou seja, ocorrem diferentemente para cada um.

Viagens mentais: tempo e emoção

O cinema tem a habilidade de nos fazer viajar. Conseguimos conhecer um personagem, sua história e suas emoções em algumas horas de filme. A cronestesia, ou a viagem temporal mental, é um termo cunhado por Endel Tulving, um professor da Universidade de Toronto, Canadá, que significa a capacidade cognitiva de se ter consciência declarativa de fatos passados e de construir possibilidades futuras mentalmente. É uma capacidade de viajar no tempo pelas experiências de vida, provavelmente consolidada só em humanos. Esta é uma capacidade como a visual, semântica, auditiva, entre outras, porém ainda não apresenta correlatos neurais, sistemas anatômicos que descrevam como isso é possível. Sabe-se que está relacionada com a memória episódica, e deve ser um fator importante para a evolução desse tipo de memória. Os filmes aumentam essa capacidade, pois é uma mistura multimodal de percepção de eventos, direcionando a atenção e trabalhando o buffer episódico.

A emoção define-se como o sentimento subjetivo que acompanha situações do ambiente e pode disparar respostas fisiológicas e comportamentais no indivíduo. A empatia que envolve a personagem ou a situação do filme e a audiência faz com que esses espectadores tenham respostas emocionais. São aquelas “borboletas

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na barriga” ao se ver uma cena romântica ou se assustar com uma cena de terror. Essa capacidade possibilita ao espectador viajar num espectro de emoções, se colocando no lugar de uma outra pessoa.

O cinema é uma arte que faz uso de várias tecnologias e apresenta, do ponto de vista cognitivo, estímulos multimodais, fato difícil de se encontrar em outras artes, como a pintura, que é essencialmente visual. Assistir a filmes é uma atividade prazerosa e que prende a atenção. Lógico que depende do estilo e experiência subjetiva de cada espectador para gostar ou não de um determinado filme. No entanto é clara a participação do cinema na maioria das culturas, de forma global, e esta pode ser combinada com estudos da cognição humana para se obter um caminho comum entre a arte e a mente.

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Referências:

Tulving, E. (2002) Chronesthesia: Conscious Awareness of Subjective Time. In: Stuss, D.T., Knight, R.T. Principles of Frontal Lobe Function. Oxford University Press; 1ªed, 2002

Dudai Y (2012) The cinema-cognition dialogue: a match made in brain. Front. Hum. Neurosci. 6:248. doi:10.3389/fnhum.2012.00248

Hasson, U., Landsman, O., Knappmeyer, B., Vallines, I., Rubin, N., and Heeger, D. J. (2008). Neurocinematics: the neuroscience of film. Projections 2, 1–26.